na última sexta naquele mercado de bandeira francesa que está em vias de se fundir com um de bandeira brasileira, encontrei uma gôndola de livros.
e se tem livro, paro. não que os títulos valessem a pena. mas entre livros de auto-ajuda, espíritas e de padres, achei o Noites Tropicais (MOTTA Nelson, Ponto de leitura, + ou - 400 pgs). o livro já tem um tempo de lançado e ganhou uma edição de bolso e estava baratinho e perdidinho naquela gôndola.
o Nelson Motta que ainda gosto é aquele crítico musical que li desde a infância, o apresentador do Sábado Som, o primeiro programa com filmes musicais da tv que assisti. o Nelson Motta dos últimos tempos dispenso. embora seja ele da irmandade dos escorpinianos ortodoxos. coloquei o livro nas compras.
li o livro em talagadas nas madrugadas de sexta para sábado e de sábado para o amanhecer de domingo. Motta convive com ícones da mpb desde a adolescência. as histórias no livro são saborosas. elencadas em ordem cronológica de 1958 até 1992, é um livro das memórias musicais do jornalista, produtor cultural de primeira e com feeling, quer gostemos ou não.
há lapsos, confusões de datas no livro mas nada que o desabone. e quase no fim do livro Motta se pergunta, que é uma pergunta que também me faço, se aquilo tudo existiu mesmo ou foi como ele viu a coisa.
me deparei então no começo da tarde de domingo, com um depoimento de Ferreira Gullar, outro de quem já gostei mais, sobre um poema que leu na Flip. o poema foi escrito na intenção de chamar a atenção de uma mulher. aí alguém perguntou se a ação deu certo e Gullar respondeu:"não!", e riu.
com estas sensações parceiras tomando conta de mim vi que o Centro Cultural São Paulo estava exibindo uma seleção dos filmes de Terrence Malick.
Terrence Malick tem 40 anos de carreira. só realizou 5 filmes. é considerado um cineasta difícil. recentemente ganhou a Palma de Ouro em Cannes com o filme A Árvore da Vida.
naquela última sessão de filmes da Globo assisti Terra de ninguém(Badlands, 1973) com Martin Sheen e uma ruivinha que iria quebrar tudo anos depois, Sissy Spacek. Sheen é Kit um assassino e Spacek, Holly por quem se apaixona. Depois de matar o pai da garota os dois fogem estradas afora. Momentos tristes, momentos belos.
Mas na mostra de Malick o que me levou a lembrar das frases de Motta e Gullar e deixar meu coração assim assim na melancolia dominical, coisa de brasileiro segundo Motta no livro lido, foi saber que o também belo, As cinzas do Paraíso(Days of heaven, 1978) estava programado para aquela tarde. me lembro direitinho do dia em que o assisti a primeira vez. e fui abalroado por aquela sensação que tenho toda vez que tenho alguma notícia do filme, um misto de alegria, incredulidade e de fortaleza, uns sentimentos misturados, como alguém que fazia misturas com seus perfumes.
Assisti o filme no cine Gemini na Avenida Paulista. O cinema fechou suas portas no final do ano passado(2010). Assisti o filme acompanhado por uma pessoa que deu um norte para minha auto estima impensado. que me mostrou que apesar de muitas manifestações ao contrário, eu não acreditava muito na poesia que havia em muitos momentos na minha vida. e que eu era sim capaz de gerar encantamentos. com esse espírito e grana ajuntada de pai e mana, nos encontramos na novidade de transporte na cidade naquele tempo, o metrô.
o encontro foi na estação carandiru, eu chegando em caminhada da josé bernardo pinto, ela chegando com o ônibus vila ede, marron e creme da viação parada inglesa. linda em calça jeans, uma de suas batas bordada, três perfumes misturados e sorrisos.
descemos na estação paraíso e caminhamos à pé pela Avenida Paulista até o 807 onde ficava o cinema no térreo e prédio da Rádio Jovem Pan, rádio de quem gostava entre outros de Zuza Homem de Mello. com que me encontraria uns dias depois para um trabalho escolar. Jovem Pan que naquele momento estava ganhando a atenção dos mais jovens por ter uma emissora em fm com som melhor e sucessos e era sintonizada por todos os bares e lanchonetes no térreo do edificio onde podia se ouvir the closer l get to you com roberta flack e donny hathaway, que tinha caído no gosto popular, bonita e melosa e por estar num comercial de cigarros na tv.
visto o filme uma olhada na loja de disco, que ficava do outro lado da avenida no térreo do número 900, onde ela teve a comprovação de que Beto Guedes existia e tinha lp nas lojas e nunca seria executado no programa de Zé Bettio.
o dono da loja, onde voltaria muitas vezes depois já com dinheiro ganho com o próprio trabalho, informava que amor de índio era o segundo disco de Guedes e que ele achava a capa, com o cantor vestido com uma manta diante de uma janela, bonita.
a rádio difusora-am iria distribuir o disco um tempo depois numa promoção. promoção da qual participaria saindo correndo do apartamento com fichas telefonicas nos bolsos até um orelhão desocupado e conseguindo a ligação mas chegando atrasado e só ganhando um compacto do chris rea com fool (if you think it's over) que a emissora tocava.
ela, ao ouvir o disco de Beto no sistema de som da loja, gostou da faixa gabriel, como outras meninas também gostariam ao ouví-la, e plantou a dúvida na cabeça dela sobre o nome de possíveis futuros filhos. ali era pedro ou gabriel. mas também gostou da sonoridade de breezin' do ainda intrumental george benson. que tocava quando entramos na loja
tomamos sorvetes naquele sábado. discutimos as capas dos discos, músicas. falamos do filme. de como ele era bonito. de como eram bonitos richard gere e brooke adams. ela falando que sempre me achava maduro. e eu dizendo que era o fato de ter repetido, por negligência e desencanto, alguns anos escolares. ela dizendo que não era só isso. e eu querendo saber se a postura da personagem do filme tinha fundamento. no que ela ficou triste. corroborando a decisão da personagem. havia sacrifícios no gostar e às vezes na vida de uma mulher. eu a ouvindo e achando que madura e forte era ela.
e depois a longa e delicada e deliciosa caminhada, quando onde em alguns momentos ela pegava na minha mão começando pelo dedo mindinho, da estação santana até a praça oscar.
Gullar, um poema meu deu certo. Motta, às vezes também penso se foi mesmo verdade.
Tudo isso na vida de um Pivete Neguinho.
P.S. - só não sei se irei ao Centro Cultural. se for derreterei na cadeira.
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