domingo, 20 de março de 2011

Exercício de Futurologia em 78 2

Mal de amores

(Novos poemas satíricos feitos à maneira clássica)

A minha amada, lá longe, a meio da montanha.
Queria ir ter com ela, mas a montanha é tão alta!
Lágrimas de desespero molham-me a roupa.
A minha amada ofereceu-me um lenço bordado a borboletas.
Como fui eu retribuir com um mocho?
Ai, ai, como eu estou desassossegado.

A minha amada, lá longe, no meio da cidade.
Queria ir ter com ela, mas é tanta a multidão!
Lágrimas de desespero molham-me as orelhas.
A minha amada ofereceu-me uma pintura: um casal de andorinhas.
Como fui eu retribuir com uma espetada de frutas cristalizadas
A partir de então deixou de me falar.
Ai, ai, como eu estou confuso.

A minha amada, lá longe, no outro lado do rio.
Queria ir ter com ela, mas as águas são tão fundas!
Lágrimas de desespero molham-me a camisa.
A minha amada ofereceu-me uma pulseira dourada.
Como fui eu retribuir com um antigripal?
A partir de então deixou de me falar.
Ai, ai, como eu estou deprimido.

A minha amada, lá longe, numa casa rica.
Queria ir ter com ela, mas não tenho carro!
As minhas lágrimas caem como a chuva.
A minha amada ofereceu-me um ramo de rosas.
Como fui eu retribuir com uma serpente?
A partir de então deixou de me falar.
Ai, ai... deixa lá.

Lu Xun, 3 de outubro de 1924
(in Ervas Silvestres, tradução de Sun Lin e Luís G. Cabral, Cotovia, série oriental)



Decidiram ir à pé. Da estação Santana do metrô até a Avenida Angelina. Conheciam o caminho muito bem, indo pela Olavo Egídio e seguindo depois pela Maria Candida até dar na Urbano Marcondes.
Ele com as mãos nos bolsos andando pelo lado de fora da calçada, como manda a regra. Ela com as mãos entrelaçadas no peito, pelo lado de dentro da calçada. Não andavam de mãos dadas. Isso só acontecia quando tinham que atravessar a rua. Aí ela apertava a mão dele, segurando só quatro dedos a partir do mindinho.
Quando passaram em frente a Paróquia da Nossa Senhora da Anunciação se juntaram no corredor formado pelos convidados de um casamento que acabava naquele instante. Ela começou a cantar uma música do Mamas and The Papas de um disco da mãe dela. Ele andava debruçado no pessoal do Clube da Esquina. Ela disse que tinha certeza que aquele colega novo dele, seria amigo dele para sempre, dá prá sentir, dizia. Ele disse à ela, que ela é quem trouxe para ele um pouco de auto-estima. Ela veio com uma pergunta.
Por que voce acha que ninguém se interessaria por voce?. Ele só via defeitos. Ela via alguma poesia.O ceú de um sábado pairava silencioso sobre eles. Sentaram na Praça Oscar. Ela inventou um jogo, Exercício de futurologia e, perguntou e se eles se casassem naquela igreja se aquele colega novo seria o padrinho. Ele respondeu cantando uma música do Jorge Ben, A Princesa e o Plebeu. Ela quis saber se ele se lembraria dela no futuro. Ele disse sim. E antes dela sumir pela Urbano Marcondes e ele renovar o sentimento de que ver as costas daquele que se despede é triste, ela quis saber como ela seria com 55. Enquanto tentava se lembrar da música do Mamas and The Papas. O céu sob a Praça Oscar mais silencioso, nem os pássaros, nem as crianças, só a resposta dele. Linda !




o verso: do amor anotado em bilhetes - da letra de Rua Ramalhetes, música de Tavito, apareceria uns anos depois. mas numa folha de sulfite, em letra original em caneta esferográfica azul e um texto datilografado, chegaria na forma de carta numa casa da Avenida angelina.



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