sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Inventário


anexo de carta amarelada, guardada entre as páginas do livro a
Balada de John & Yoko dos editores da "Rolling Stone", recebida naquele Natal de 1980.



A última carta para John Lennon


"Sabe cara! eu devia ter seis ou sete anos quando ouvi pela primeira vez aquelas canções que hoje sei porquê disparavam nossos corações. E as ouvi por mais seis ou sete anos. E então, de repente; era o fim dos Beatles. Não sei porque mas, logo de ínicio, peguei amor por tudo que diziam, pelas coisas que faziam, pelas roupas que usavam e pelos cabelos longos. E aprendi a cantar "She loves you IêIê Iê". Também aprendi a definir muito bem cada um daqueles quatro, o sério Ringo Starr, o místco George Harrison, o bonitão e alegre Paul McCartney e o misterioso e realisa John Lennon. Acho mesmo que cresci com os quatros cabeludos de Liverpool. Da mesma forma que eles mudaram seus temas de "She loves you" para "A day in the life". E quando os Beatles se separaram acho que era a hora também de seguirmos nosso caminho individualmente. E todos eles seguiram, mais ou menos a risca, um tipo de caminho que visualizei antes. E, você John Lennon, também. Toda sua trajetória, ora inquieta, ora romântica, ora política, ora existencial, foi mais ou menos as coisas que fiz, pensei e sonhei nestes últimos anos. Lennon você gritou "Power to the people", sussurou "Oh my love", sonhou em "mind games" e parou em "Sometimes in New York City".É em "Mother", você parecia reclamar a falta de um lar, montado de uma maneira mais natural. Seu pai abandonou a família quando você ainda era bem pequeno, e só quis voltar quando você já era famoso. Você não o aceitou e não cedeu como sempre: expulsou-o de casa. Lennon, estou pasmado com a sua morte. Triste quando penso na forma como foi feita. Mas me consolo quando penso que você, como eu, tinha pressa e talvez tenha sido até, que olhando para o futuro, você conseguiu criar tanta coisa maravilhosa. Não sou o único. Muitos estão dizendo coisas semlehantes no mundo inteiro. Estou aqui à distância, mas sempre muito perto de tudo que você fez. E não gosto nenhum pouco deste louco chamado Mark David Chapman, de 25 anos, que te deu quatro tiros, cinc, seis, sei lá eu quantos tiros. Ele não tinha o direito de fazer o que fe. Talvez dentro da loucura dele, até tivesse. Mas não compreendo porque o mundo fica tão violento, a cada dia que passa, e como é que as pessoas podem se perder em tantos becos escurs, deixando de lado os princípios mais simples que poderiam levar suas vidas para uma existência mais sadia. Aqui em São Paulo por exemplo, na semana passada, Pedrinho sequestrou e matou seu amigo de infância Celso Satow para obter dinheiro. Acho que as coisas são parecidas: a violência fez as duas coisas. E não é só: crimes passionais, violência no trânsito, violência policial, ódio no olhar das pessoas, injustiça, tristeza, medo.....As coisas não deveriam ser assim. As pessoas precisam de novo encontrar algum motivo para sorrirem livremente, andarem pelas ruas sem medo de morrerem e amarem sem "preconceitos e limitações". E mais: esse seu matador não tinha direito nenhum de fazer isso. Ele tem 25 anos e eu tenho 24. Acredito que ele, como eu, deve ter crescido e aprendido muito com sua música. Mas loucura não tem explicação e, por isso, prá mim chega. Vou sentir saudade de você, John Lennon, e não gosto de sentir isso com coisa nenhuma. Tentarei ficar alegre, pensando que você fez tudo o que foi possível através de sua música, para melhorar o mundo em que vivemos, e que se deteriora mais e mais a cada dia que passa. O mesmo mundo violento que você sempre sentiu e denunciou; e que acabou por eliminar você da forma mais violenta possível.

John Lennon, Adeus "

São Paulo 9 de dezembro 1980
P.S. Não sei se o sonho acabou se ele
nunca começou ou se talvez tenha recomeçado.
Sei apenas que é preciso sonhar e por isso
Imagine all the people.

Texto Otávio Ceschi Jr.
Locutor e produtor
Bandeirantes-FM




e se você ouviu a música acima até o fim, ouviu a introdução dessa aqui

Nenhum comentário: