quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Quase Ode à Clarice


parte da entrevista de Clarice Lispector para Julio Lerner, falando do livro A Hora da estrela, seu último trabalho. Ela faleceria logo em seguida à essa entrevista.


O primeiro livro de Clarice Liospector que li foi A hora da estrela. Antes vieram as crônicas que ela escrevia para o Jornal do Brasil e mais tarde uma entrevista para Julio Lerner da Tv Cultura de São Paulo e o Caso Especial na Tv Globo baseado no conto, Feliz aniversário.
A impressão era de tristeza e amargura sempre, ainda é. Uma profusão de sentimentos, ou aquela sensação diante da beleza que me paralisa e me entristece. Fui entrando pelos textos de Clarice, pelo não menos densos, contos de, A cidade sitiada, Laços de família e A legião estrangeira.
As palavras não me incomodavam.O incômodo vinha das situações estampadas, das reflexões e da tristeza, sentimento confirmada quando assisti a entrevistada dada à Júlio Lerner. Mas estava picado para sempre pela obra da escritora, e fazer com os livros dela o que faço com os de Machado de Assis, ler algum deles ao ano, qualquer um. O escolhido desse ano foi a coletânea dos artigos que ela escreveu para o Jornal do Brasil, A Descoberta do mundo, a edição que possuo da Editora Nova Fronteira é de 1984, um calhamaço de mais de 400 páginas, delírio.
Benjamim Moser, escritor, crítico e tradutor americano, já escreveu para o New York Times, se apaixonou por Clarice Lispector ao ler, A Hora da Estrela. Acaba de chegar ao Brasil, Clarice, (leia-se, Clarice Vírgula), saiu aqui pela Editora Cosac Naify, custando alguns contos, mais de 500 páginas mostrando dramas e explicando muito da latente tristeza e beleza dos textos de Clarice.
Há aqueles que acham que se ela escrevesse em outro idioma, teria tido mais "sucesso", o texto abaixo, escrito por ela, é uma resposta para "esses que aí estão".


Esta é uma confissão de amor: amo a língua portuguesa. Ela não é fácil. Não é maleável. E, como não foi profundamente trabalhada pelo pensamento, a sua tendência é a de não ter sutilezas e de reagir às vezes com um verdadeiro pontapé contra os que temerariamente ousam transformá-la numa linguagem de sentimento e de alerteza. E de amor. A língua portuguesa é um verdadeiro desafio para quem escreve. Sobretudo para quem escreve tirando das coisas e das pessoas a primeira capa de superficialismo.

Às vezes ela reage diante de um pensamento mais complicado. Às vezes se assusta com o imprevisível de uma frase. Eu gosto de manejá-la – como gostava de estar montada num cavalo e guiá-lo pelas rédeas, às vezes lentamente, às vezes a galope.

Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança da língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.

Essas dificuldades, nós as temos. Mas não falei do encantamento de lidar com uma língua que não foi aprofundada. O que recebi de herança não me chega.

Se eu fosse muda, e também não pudesse escrever, e me perguntassem a que língua eu queria pertencer, eu diria: inglês, que é preciso e belo. Mas como não nasci muda e pude escrever, tornou-se absolutamente claro para mim que eu queria mesmo era escrever em português. Eu até queria não ter aprendido outras línguas: só para que a minha abordagem do português fosse virgem e límpida.





que dica hein Papai Noel ?

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