sábado, 5 de junho de 2010

Suave coisa nenhuma

o mundo mais sem graça - Kazuo Ohno (1906-2010)



ela pede que eu leia trechos de livros e poemas em voz alta, com minha voz grave enquanto caminha pensativa, dançante às vezes, pela casa de poucos móveis, muitos livros e discos e desenhos feitos por ela.
o sol bate na sala e mostra o contorno do corpo dela sob a bata. ela quase sempre faz macarrão ou omelete bem recheado de queijo e presunto. e tudo servido com laranjada, limonada ou um guaraná barato. ela namora um outro cara, eu a conheci lendo uns poemas num barzinho, das poucas vezes que fiz isso no anonimato. nos encontramos muitas vezes de madrugada, estação paraíso, último trem de metrô. na banca de frutas da minas gerais no fim da paulista. damos muita risada, ela gosta do chet baker do michael jackson e da gal costa. passamos uma tarde de inverno sob as cobertas brincando de flávio cavalcanti. um falava uma palavra e o outro tinha que cantar uma música que contivesse a palavra. ela sabia mais do que eu. ela chorou na sessão do filme a cor púrpura. ela brigou e chorou por minha causa. ela chorou por nós. ela chorou com as perfomances de kazuo ohno e por isso me lembrei dela. ela deve estar por aí.
o carrinho da saudade, aquele que ouço o apito antes de aparecer na curva fez das dele essa semana. tenho muito anos no lombo e muitos nomes, gratos e belos na minha história.


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