sexta-feira, 9 de julho de 2010

Perspectivas de um pivete neguinho




Pivete neguinho estrábico na periferia do mundo, tinha que me virar, correr atrás. Dei sorte do meu pai ter uma banca de jornal e uma irmã trazendo revistas e amigos descolados.
Os jornais que eu lia tinham em seus quadros bons profissionais, que me inspiravam. E uma intenção na minha cabeça, que não era só Londrina, Cambé e Ibiporã. Escrevi para um questionário passado por minha irmã para amigos, coisa da moda então, que queria ser diplomata em Londres mas ser jogador de futebol ou cineasta e até engenheiro agrônomo, para trabalhar em terras paranaenses e ficar em Londrina e me casar com a Denise, seria bacana tanto quanto.
Um nome estranho tomava conta das páginas de esportes, um time holandês com nome de detergente voava na Europa e um amigo tinha me dito que as holandesas tomavam banho em praias européias, sem a parte de cima do biquini, uau. Para chegar até lá eu tinha que virar jogador de futebol, cineasta, diplomata ou escrever como aqueles caras que eu lia.
Em 74 São Paulo deixava de ser chata para ser surpreendente e apresentar luminosidade no horizonte até então cinza. Os caras que lia estavam mais perto. Os caras que eu ouvia estavam mais próximos e tinha o cinema. Tinha trocado os verdes de Londrina pela paisagem de concreto. Uma garota de uma outra classe me chamava atenção. Uma seleção de laranja, com aquele cara de nome estranho e um bando de cabeludos confirmava a trajetória daqueles times com nomes diferentes. Eles iam às praias européias com as namoradas ? uau.
Em 74 ganhei uma vaga no meio campo do dente de leite do Excelsior um time formado no conjunto residencial onde eu morava em Vila Guilherme. O uniforme era igual ao da seleção brasileira, camisa canarinho, calção branco, meia verdes. O goleiro era o Agostinho, na zaga só não me lembro do quarto zagueiro mas o lateral direito era meu irmão Ruy, o beque o Toninho, o lateral esquerdo o Donizete. No meio comigo o Nael. No ataque o irmão do Nael, o Tutu, o centroavante o Zé Carlos, que tinha problemas pulmonares, o Marcelo que jogaria no Santos e o Paulinho na esquerda.
Os primeiros jogos foram contra os times instalados nos campos no Carandiru, hoje shopping center e centro de convenção, Palmerinha, Paineiras e Flor da Espanha, os times. Quando a bola saia dava para olhar para a Vila Paiva e me lembrar que uma certa garota de uma outra série morava por aquelas ruas e se aquela coisa desse certo talvez eu virasse jogador de futebol, diplomata e pudesse levá-la para alguma praia européia.
Mas em 74 fiz a primeira de duas operações para amenizar um estrabismo. Me lembro de minha mãe me levando para o hospital. Na minha cabeça uma música tinha grudado. Na noite anterior no Fantástico tinha vindo a notícia, os Secos & Molhados tinham se separado e eles mostravam o último número musical do grupo. Enquanto eu passeava de maca até a sala de operação ainda me lembrava da música e quando o anestesista perguntou se estava tudo bem e me mandou contar até dez, fui falando, "...um verme passeia na lua cheia...como o cara escreveu isso?...praias européias..."
Quando voltei fiquei com medo de cabecear a bola.Um pecado para um filho de um emérito cabeceador. Jogador de futebol não mais. E depois de ver uma foto de Sartre, estrábico, com Simone de Beauvoir, e ler mais um texto de Ezequiel Neves no Jornal da Música, pensei, era tentar escrever como certos caras. Dá para chegar numa praia européia dessa forma também e quem sabe aquela seleção de laranja já tenha aprendido a ganhar alguma copa e quem sabe, ela não queira vir comigo, uau.


foram muito simplistas os obituários para Ezequiel Neves. Crítico e produtor musical dos bons desse país.
e será que o Sartre levou a Simone para alguma praia daquelas ? safadinho.



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