Perspectivas (de)para um pivete neguinho
Belinha
Ela não era de Londrina. Era de Mandaguari, uma cidade mais interior ainda. Era noiva e iria se mudar para Curitiba.
Eram platônicos ou silenciosos os amores. Tive uma doença grave, fiquei internado. Quando saí por conta das rezas e das promessas à beira do meu leito, tinha perdido o ano letivo. O único que não perdi por desencanto ou negligência. Achavam que eu tinha tido sequelas o que podia prejudicar o aprendizado. Ela foi contratada para ser minha professora particular e era também minha professora regular. O que causou uma certa inveja nos outros meninos, pois o apelido, tirado de Isabel, lhe cabia bem
As aulas particulares eram no apartamento em que ela dividia com uma amiga também professora. Uma moça pra lá de descolada que cada dia vinha com um penteado, uns vestidos, batas, imitando uma cantora qualquer .
- ´tá parecendo a Nara Leão ? - tá parecendo a Michelle Philips? - tá parecendo a Aretha Franklin ?
e meninos, a amiga dançava às vezes comigo e me falava sobre namoros, meninas, horóscopo, ela escorpião eu escorpião,
escorpião é fogo, dizia,
homens negros que ela achava importante que eu conhecesse e bonitos nas palavras dela e sobre os meus silêncios numa quase terapia.
Outra coisa que me lembro é que as aulas sempre começavam com um poema, uma noticia de jornal ou uma música que elas escolhiam dos discos que tinham no apartamento.
Foi por conta de Belinha que meu nome apareceu pela primeira vez no jornal Folha de Londrina, meu e de muitos da classe. Fizemos umas redações com perguntas aos jornalistas e algumas foram escolhidas e respondidas.
Foi por conta de Belinha que não chorei mais quando soube, que aquela moça, do apartamento acima do dela e que eu via às vezes no elevador e brincava comigo, tinha se atirado no vazio morrendo no telhado do Cine Vila Rica.
Ela pedia que eu escrevesse sobre os filmes que eu havia assistido, ou sobre as coisas ao meu redor, coisas de que gostava, livros, músicas, pessoas.
Quando ela se despediu da cidade para casar, me avisou. Regados à refrigerantes e bolo, ouvimos músicas, falamos sobre o futuro, cantamos uma tarde inteira, um happening. Numa das músicas a voz dela ficou embargada. Era uma música do Stevie Wonder , que ela gostava bastante. A amiga começou a cantar junto.
- você vai esquecer de mim logo logo.
no que a amiga dela decretou
- já de mim não.
- você é mais inteligente do que você imagina, boa sorte.
Choramos. Chorei um bom tempo no bosque londrinense. Até aparecer uma hors concours, seria minha paixão platônica junto ao Corpo Docente Feminino que desfilaria diante de mim. Esquecer ? eis aqui uma resposta.
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