sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O lugar de Tia Anastácia


No meu aniversário de dez anos ganhei de presente um livro de Monteiro Lobato. Era o História das Invenções. Me deliciei, com o presente dado, pela minha avó Rosa e meu Tio Paulo. Me deliciei com a leitura.
Desgustei sinestesicamenete cada quitute preparado por Tia Anastácia para as noites de leitura da dona Benta. Me diverti com Pedrinho, Narizinho, Emília e o Visconde. Embora com o tempo nunca entendi mesmo a não mobilidade de Tia Anastácia naquele sítio. Procurei na biblioteca das escolas londrinenses que frequentei, outros títulos do autor. E anos depois acompanhei parte do seriado da tv.
Coincidentemente algumas semanas atrás peguei dos meus livros um título de Monteiro Lobato. Estufado com outras leituras e outros estudos, parei a leitura nas primeiras páginas, senti um desconforto. Entendi mas , resolvi fazer como faço, quando minha presença parece desagradar em algum lugar, me ausento e vou procurar praças de bom convívio. A leitura de O Poço do Visconde, o livro de Lobato em minha casa, estancou quando Pedrinho descrevia a figura de Tia Anastácia. Triste.
Esta semana li dois artigos sobre Monteiro Lobato. Os dois falam sobre o tratamento dado pelo autor à sua personagem quituteira.
No primeiro li que o Ministro Fernando Haddah não aceitou o veto proposto pelo Ministério da Igualdade Racial sobre o livro As Caçadas de Pedrinho. O Orgão viu palavras inapropriadas no trato com Anastácia.
No outro, um artigo da jornalista do Estadão, Cristina Padiglione, em seu blog, noticia que a Rede globo prepara para 2011 um seriado de animação baseada nos personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Só que ela quer cortar qualquer "resquícios escravocratas" da personagem Anastácia.
Na literatura brasileira, Anastácia não está sózinha. Um estudo recente da Universidade de Brasília, aponta que o protagonista preferencial é branco, classe média, escritor ou professor e mora nas grandes cidades. E nem Monteiro Lobato é caso único. Mesmo o celebrado Machado de Assis nunca deu muita voz aos seus iguais nos seus texto.s E nem por isso merece destrato. O releio todo ano.
Em 2008 com a então crescente ascenção de Barack Obama, a Editora Globo, detentora dos direitos da obra de Monteiro Lobato, lançou O Presidente Negro. Tratou a obra como um premonição do autor. Em parte até o é. Mas quem pesquisou a vida de Lobato sabe que no mesmo período ele escrevia o livro, trocava cartas com colegas sobre a controversa eugenia., que é aquele estudo sobre o aperfeiçoamento da raça humana, que ficou mal falada depois de utilizada pelos nazistas. Se era pesquisa para algum livro não se falou.
Nunca vi racismo em Lobato. Me lembro de uma excursão à um sítio da família do autor em Taubaté, que se tranformou num pequeno espaço de referências ao seus personagens, levado que fomos pelo professor Cardoso. Só fiquei desconfotável recentemente. Abandonei a leitura mais com vergonha do que com raiva.
E também concordo com Mrs. Alvarez, a dona do linkado Jardim ai à direita, que em sua página no Facebook perguntava que se talvez o leitor de Monteiro Lobato se transforme num racista ? O leitor de Nelson Rodrigues seria quase um devasso ? Não tem discernimento ? Cabe informação e educação. O leitor que faça sua análise e escolha seus caminhos.
Estamos num período que muitos não gostam do politicamente correto, tudo fere sensibilidades. As recentes eleições deixaram um rastilho perigoso no ar. Qualquer manifestação, bobaijnha que seja, pode ser o gatilho que falta, na cabeça dos despreparados.

Um comentário:

Tânia Maria disse...

É isso Pedrão!
Não fosse a educação que tem por obrigação mediar a informação com o objetivo de transformá-la em conhecimento, nunca poderíamos ter lido Sócrates ou Platão, por ex., escritos em um contexto histórico onde se viu a escravidão comendo solta.
É de novo aquela preguiça de pensar, ter que ler prá comparar... o ato de refletir deve machucar os ticos e tecos do povo por ai!

Ai meu são Paulo Freire!!!rsrssr
Beijo
Tânia